sexta-feira, 14 de março de 2014

A Influência da psique dos pais na psique dos filhos desde a gravidez

A Influência da psique dos pais na psique dos filhos



Desde a concepção do ser humano, muitos fatores podem interferir no relacionamento pais e filhos, temos conhecimento do que ocorre na nossa consciência e desconhecemos como o inconsciente dos cuidadores influência o desenvolvimento da psique das crianças, impedindo que se desenvolvam verdadeiros laços afetivos entre a criança e os responsáveis, colocando toda a família na faixa de risco para os diversos desvios de relacionamento, incluindo a negligencia, o desinteresse pelo bem estar do filho através de condutas que podem desencadear todos os tipos de doenças na criança, até os acidentes e a violência.
Esta influência do inconsciente dos cuidadores sob a psique das crianças podem acontecer em qualquer idade, entre a criança ou adolescente e seus responsáveis, seja na gravidez e ao nascimento os períodos mais frágeis.
As atuais pesquisas mostradas por Figueiró[1] (2009, p.10), apontam ser o adulto resultado da sua natureza, das relações com a família e grupos sociais, da cultura, valores, crenças, normas e práticas. O argumento de que a primeira infância é decisiva na formação do adolescente e do adulto passou a sustentar-se em estudos e pesquisas científicas nos últimos cem anos. Recentemente, a neurociência evidencia que episódios precoces de natureza física, emocional, social e cultural permanecem inscritos por toda existência nas conexões sinápticas do ser humano. Este fenômeno é possível diante da neuroplasticidade e das atividades biomoleculares. Os fatores de risco e proteção da violência, sua emergência e prevenção, são conhecidos da literatura médica, começa no período da pré concepção com fetos indesejados ou rejeitados e permanece nas gestações mal cuidadas, tensas e desamparadas. Estes fatores continuam atuando na primeira infância com a privação de nutrientes afetivos fundamentais ao saudável desenvolvimento psíquico, social e cultural. Oitenta por cento da violência é transgeracional, passa de uma geração a outra e é possível prevenir esta violência através do apego seguro com o desenvolvimento da empatia na formação do individuo. A prevenção depende de uma base segura, da sensibilidade e da resiliência, que é a capacidade deste indivíduo de lidar com problemas e superar obstáculos.
A ciência tem comprovado a importância da educação e dos cuidados de qualidade durante os primeiros anos de uma criança para o seu desempenho escolar satisfatório e para uma vida adulta plena. O período que vai da gestação até o sexto ano de vida, e particularmente de zero a três anos incluindo o período gestacional, são os mais importantes na preparação dos alicerces das competências, habilidades emocionais e cognitivas futuras. É neste período que a criança aprende, com mais intensidade, a agir, a sentir, a se relacionar, e a desenvolver importantes valores a partir de suas relações na família, na escola e na comunidade.
A partir destes conceitos da literatura médica acrescentamos os conceitos da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung[2] e do Método Acesso Direto do Inconsciente / Terapia de Integração Pessoal da autora Renate Jost de Morais[3]para entendermos o desenvolvimento da psique na infância e como ocorre a influência da psique dos pais sobre a psique dos filhos.
Para Jung, no desenvolvimento da psique da criança existe uma relação de identidade entre o inconsciente dos pais e filhos, e esta relação de identidade pode ser a causadora de futuras neuroses, doenças físicas, atos de criminalidade e acidentes destas crianças. Os profissionais da área da saúde, que se ocupam em cuidar de crianças recebem diariamente cuidadores que relatam sintomas orgânicos, ou psíquicos, que apesar dos estudos médicos avançados, constituem verdadeiros enigmas que desafiam diariamente as modalidades diagnósticas e terapêuticas.  Como disse Jung (1972, p. 129), “Procura-se às vezes uma causa orgânica para alguma perturbação e não sabe que deveria procurá-la em outro lugar”. Este “outro lugar” pode ser evidente para os psicólogos analistas que conhecem a possibilidade de que as dificuldades psíquicas no relacionamento entre pai e mãe possam ser responsabilizadas por alterações orgânicas e psicológicas dos seus filhos. Jung (1972, p.129) diz que “a criança faz de tal modo parte da atmosfera psíquica dos pais que as dificuldades ocultas aí existentes e não resolvidas podem influir consideravelmente na saúde dela”.
            De acordo com Jung existe um estado de identidade do inconsciente entre pais e filhos através do desenvolvimento da psique desde o nascimento da criança ao primeiro ano de vida, continuando até a adolescência.  A psique da criança não nasce “Tábula Rasa[4]”, já existe nesta criança um inconsciente e um “germe” do núcleo da consciência, que será o ego. Que vai proporcionar e promover a proteção da psique infantil e as escolhas de quais estímulos permanecerão na consciência e quais permanecerão no inconsciente. 
Considerando-se o fato que a criança se desenvolve lentamente do estado inconsciente para o estado consciente, compreende-se também que a maioria das influências do ambiente são inconscientes. As primeiras impressões recebidas da vida são as mais fortes e as mais ricas em consequências, mesmo sendo inconscientes, e talvez justamente porque jamais se tornaram conscientes, ficando assim inalteradas. E para Moraes (2008, p.213) “isto é possível graças a característica de comunicabilidade absoluta do inconsciente, que não é limitado pelo tempo, pelo espaço e pela matéria”. Este conceito referente ao inconsciente está presente também na Psicologia Analítica de C. G. Jung, Stein (2006, p. 179) relata em uma carta de Jung: “foi Einstein quem primeiro me levou a pensar sobre uma possível relatividade tanto do tempo quanto do espaço, a sua condicionalidade psíquica[5].
O período vital da criança, Moraes afirma que, a criança tem percepção ampla e profunda dos acontecimentos que a cercam, sendo esta percepção inconsciente. Moraes (2007, p.163) diz “a criança, quando nasce, já traz em si – e bem elaborada – toda a estrutura básica de seu psiquismo e a programação orgânica. E na infância, a criança continua mentalmente mais comandada pelo inconsciente que pelo consciente”.  Jung (1972, p.121) diria ainda que, “a maioria das impressões surgidas nos primeiros anos de vida se torna rapidamente inconsciente e forma a camada infantil do inconsciente pessoal”. Para Moraes (2007, p. 96) as crianças “costumam expressar a sua dor através de comportamentos simbólicos, doenças, acidentes, bloqueios de aprendizagem, agressividade...”.
Através da sua pesquisa Moraes consegue quantificar o quanto o inconsciente dos pais afeta a criança:
A grande força de influencia inconsciente que os pais têm sobre a criança diminui gradativamente à medida que esta cresce. Em proporção estimativa, não estatística, eu diria que a influencia dos pais na fase do útero materno é de 90%, restringindo-se gradativamente a 75% até cinco anos de idade, a 65% dos cinco aos dez anos, e a 50% na adolescência, sendo que após essa idade o jovem a censura e se defende dessa influencia conscientemente. (MORAES, 2008, p.96)

            E de acordo com a mesma autora um dos “mecanismos de defesa” da criança no período da infância, principalmente no primeiro ano de vida, é a doença física e a provocação de acidentes. Para Moraes (2007, p.169) “a criança adoece sem medir muito as consequências e percebe, com astúcia, que em torno das doenças dela os pais se unem quando não estão bem em seu relacionamento”. A criança se expõe com facilidade a perigos, riscos de vida e morte quando não se sente amada, ou melhor, quando não se sentiu amada na fase do útero materno.
Para a Psicologia Analítica de C. G. Jung é importante promover a autoeducação dos adultos. Como disse Jung sobre a educação do adulto (1972, p. 63) “sua cultura não deve jamais estacionar, pois de outro modo começará a corrigir nas crianças os defeitos que não corrigiu em si mesmo”. É muito importante a atitude sincera dos pais.
Quanto mais impressionantes forem os pais e quanto menos quiserem assumir seus próprios problemas (muitas vezes pensando diretamente no bem dos filhos!), por um tempo mais longo e de modo mais intenso terão os filhos de carregar o peso da vida que seus pais não viveram, como que forçados a realizar aquilo que eles recalcaram e mantiveram inconsciente. (JUNG, 1972, p. 84).

Entendemos que para Jung o erro dos pais estaria em fugir das dificuldades da vida levando tudo para o inconsciente, acarretando com esta atitude, indeléveis consequências na psique da criança.
Os conceitos apresentados nestes estudos colaboram com a medicina acadêmica que diz ser o cérebro construído dentro de um modelo homeostático (auto ajustado, buscando o equilíbrio) dentro de uma tríade: mãe, pai e sociedade. Suas influências, e por consequência as melhores medidas de prevenção de patologias, tanto orgânicas e como vimos neste estudo, patologias psíquicas, são da genética, da vida intrauterina, experiências durante o nascimento, amamentação no pós-parto exclusiva e de preferência até seis meses (a amamentação é a melhor medida de prevenção neuronal, afetiva e social), dos primeiros dias de vida extrauterina e do tipo de amparo (acolhimento e recepção na família e sociedade). De acordo com experiências vividas no período pós-natal (físicas e afetivas, positivas ou negativas) é que se formarão os novos caminhos neuronais.

Entendemos finalmente que o desenvolvimento da psique saudável da criança está diretamente relacionado à psique saudável dos adultos. Concluímos que psiques saudáveis geram ambientes saudáveis, sendo redundante afirmar ser necessário um processo consciente de autoeducação deflagrado por adultos responsáveis e conscientes.
Prof.ª Luciana Antonioli

Especialista em Pediatria Geral pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Médica Brasileira.  Especialista em Psicologia Junguiana pelo IJEP. Especialista em Medicina Antroposófica na ABMA SP; Professora do IJEP.
REFERÊNCIAS
FIGUEIRÓ, João Augusto. A primeira infância e a inviabilização do possível. São Paulo: Publicações Cremesp: Revista Ser Médico, pg. 10, edição 48 – Julho/Agosto/Setembro de 2009.

FORDHAM, Michael. A criança e o indivíduo. São Paulo: Ed. Pensamento - Cultrix, 1994.

HALL, Calvin Springer. Introdução à psicologia junguiana. São Paulo: Ed. Cultrix, 2005.

JACOBY, Mario. Psicoterapia junguiana e a pesquisa contemporânea com crianças; padrões básicos de intercâmbio emocional. São Paulo: Ed. Paulus, 2010.

JUNG, Carl Gustav. Obras Completas de C. G. Jung. Petrópolis:
Vozes. Os seguintes volumes são mencionados no texto:

            Vol. VII / 1 – Psicologia do inconsciente, 1971.

            Vol. VII / 2 – O eu e o inconsciente, 1971.

           Vol.VIII / 2 – A natureza da psique, 1971.

            Vol. IX / 2 – AION estudo sobre o simbolismo do si - mesmo, 1976.

           Vol. XVII - O desenvolvimento da personalidade, 1972.

           Vol. XVIII / 1 – Fundamentos da psicologia analítica, 1981.

______ -  Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 2006.

LIPTON, Bruce H. A biologia da crença; ciência e espiritualidade na mesma sintonia: o poder da consciência sobre a matéria e os milagres. São Paulo: Butterfly Editora, 2007

MORAES, Renate Jost. O inconsciente sem fronteiras. Petrópolis: Ed. Idéias & letras, 2007.

______ . As chaves do inconsciente.  Petrópolis: Ed. Vozes, 2008.

NEUMANN, Erich. A criança. São Paulo: Cultrix, 1980

STEIN, Murray. Jung, o mapa da alma: uma introdução. São Paulo: Ed. Cultrix, 2006.



[1]Figueiró, João Augusto – Médico clínico e psicoterapeuta. Membro fundador, vice-presidente e diretor cientifico do Instituto Zero a Seis – Primeira Infância e Cultura de Paz.

[2] Jung, Carl Gustav (Kesswil, 26 de julho de 1875  Küsnacht, 06 de junho de 1961) psiquiatra suíço e fundador da psicologia analítica, também conhecida como psicologia junguiana.
[3] Moraes, Renate Jost de. Brasileira, gaúcha, residente em Belo Horizonte desde 1979. É criadora do Método ADI/TIP – Abordagem Direta do Inconsciente/Terapia de Integração Pessoal. É psicóloga graduada e pós-graduada (Latu Sensu) em Psicologia pela PUC-MG, tendo formação em Serviço Social e em Enfermagem. Defendeu tese sobre “O Problema Social do Hanseniano”. Foi Conselheira Nacional do Serviço Social.

[4] Tábula rasa: O conceito de tabula rasa foi utilizado por Aristóteles (em oposição a Platão) e difundido principalmente por Alexandre de Afrodisias, para indicar uma condição em que a consciência é desprovida de qualquer conhecimento inato - tal como uma folha em branco, a ser preenchida.
[5] Jung, Letters, Vol.2. pp. 108-9.

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